segunda-feira, 3 de maio de 2010

UM POUCO MAIS SOBRE HERNIOPLASTIA INGUINAL POR VÍDEO-ENDOSCOPIA


Sobre o tema hérnia inguinal, se manifestam os Cirurgiões baianos Dr. André Romeo, Dr. Paulo Jesuíno e Dr. Marcos Villas Boas, também em artigo publicado no Informativo SOBRACIL-RS.
HERNIORRAFIA INGUINAL VIDEOLAPAROSCÓPICA:
A CONQUISTA DO MERECIDO LUGAR

ROMEO, André B. , VILLAS-BOAS, Marcos L. , JESUÍNO, Paulo A.
PUBLICAÇÃO ORIGINAL: PUBLICADO ORIGINALMENTE EM SOBACIL - SOCIEDADE BAIANA DE CIRURGIA LAPAROSCÓPICA
 

A cirurgia da hérnia Inguinal, é um dos procedimento mais comuns dentro da Cirurgia Geral; em países como Austrália, EUA, Suécia e Noruega por exemplo, onde o acesso à Cirurgia eletiva é fácil e de boa qualidade, a média anual é de 254 operações para cada 100.000 habitantes. Anualmente nos Estados Unidos são realizadas cerca de 700.000 hérnias inguinais, sendo 70.000 recidivadas. Calcula-se que a hérnia inguinal pode reduzir em até 25 % a capacidade produtiva de um trabalhador. Ainda nos EUA, são perdidos cerca de 10 milhões de dias de trabalho a cada ano que, somados ao prejuízo de cerca de 28 bilhões de dólares em despesas médico-hospitalares, oneram sobremaneira o sistemas previdenciário de qualquer país. Se extrapolássemos essas equações para uma população de quatro milhões de habitantes como a da região metropolitana de Salvador, por exemplo, teríamos mais de 10.000 Cirurgias/ano, mais de 300.000 dias de trabalho perdidos e alguns milhões de reais em despesas médicas diretas.
Obviamente estamos a "anos luz" de distância dos países do 1o mundo no que se refere às facilidades de acesso aos serviços de saúde, mas podemos estabelecer um referencial que nos mostra a importância desta patologia. A despeito da importância sócio-econômica da hérnia inguinal, o seu tratamento sempre foi renegado a um segundo plano.
Tido como um "procedimento fácil", as cirurgias eram deixadas para cirurgiões em fase de formação, médicos de outras especialidades, e até estudantes; na maioria das vezes orientados por colegas "um pouco mais experientes", residentes mais graduados, que por sua vez aprenderam com seus antecessores perpetuando o ciclo. Não é surpreendente pois a confusão generalizada em relação às diferentes técnicas utilizadas, quase todas derivadas da técnica descrita por Bassini em 1890. Por isso mesmo também não surpreende o fato de que as taxas de recidivas atinjam a faixa dos 30 %. Talvez devéssemos nos lembrar de algumas lições antigas como as de Astley Cooper em 1804 - "Nenhuma doença do corpo humano, pertencente aos domínios do cirurgião, requer em seu tratamento uma melhor combinação de acurácia, conhecimento anatômico e habilidade cirúrgica que a hérnia em todas as suas variedades".
Mais recentemente, com o aparecimento das técnicas laparoscópicas, a cirurgia de hérnia voltou a ocupar seu lugar de direito e os debates, estudos científicos e inclusive congressos específicos proliferaram e mostraram a necessidade de um treinamento e aperfeiçoamento maior neste campo.
Com o advento da Videolaparoscopia e o sucesso da Colecistectomia Laparoscópica, outras técnicas cirúrgicas foram sendo utilizadas e o tratamento das hérnias por videolaparoscopia foi acrescido ao arsenal cirúrgico, e como em todas as áreas onde a videocirurgia foi empregada, os bons resultados só foram obtidos quando foram reproduzidas técnicas que historicamente já haviam comprovado a sua eficácia. A primeira Herniorrafia Videolaparoscópica foi realizada por Gerr em 1989 que utilizou um grampeador especial chamado herniostat; nesta técnica eram aplicados grampos que ocluiam o anel inguinal interno dilatado de hérnias indiretas. Embora seus resultados iniciais fossem razoáveis, estes não puderam ser reproduzidos por outros autores, e não houve difusão da técnica.
Em seguida, Schultz utilizou um pequeno "chumaço" ou rolo de polipropileno em forma de um pequeno charuto que era introduzido no anel inguinal visando o fechamento do mesmo, ficando conhecida com técnica do plug, mais uma vez os resultados não foram satisfatórios e a recidiva precoce mostrou-se inaceitável e essa técnica foi também abandonada.
Finalmente delinearam-se três técnicas que obtiveram melhores resultados. A Totalmente Intra-Peritonial (IPOM), a Trans-abdominal Pré-Peritonial (TAPP) e a Totalmente Extraperitonial (TEP). A IPOM, ainda bastante controversa devido à possibilidade de aderência de alças intestinais à tela de polipropileno que é grampeada diretamente sobre o peritônio, tem sido pouco utilizada e é considerada inclusive como experimental. A TAPP é a mais difundida e consiste na abordagem trans-abdominal com dissecção do espaço pré-peritonial e colocação de uma ampla tela que é grampeada no assoalho inguinal, sendo em seguida coberta pelo peritônio subjacente. Finalmente, a técnica totalmente extraperitonial (TEP) difere da trans abdominal basicamente na via de acesso, que consiste na utilização de balões dissectores que são colocados no espaço pré-peritonial para criar uma cavidade real e em seguida realizar a dissecção da região inguinal e a colocação da tela. As vantagens dessa sobre a TAPP é não entrar na cavidade peritonial, evitando aderências e dispensando a necessidade da anestesia geral. Entre as principais vantagens dessas abordagens que reproduzem os princípios da Técnica de René Stoppa, destacam-se os índices de recidiva entre 0 e 2 %, a escassez de sintomas pós-operatórios, e a rápida recuperação que permite um retorno às atividades físicas em poucos dias. Além disso, pode-se identificar precocemente o aparecimento de hérnias contralaterais, inspecionar a cavidade abdominal a procura de outras patologias e ocluir todo o orificio miopectíneo fazendo a profilaxia de recidivas em outros pontos da região inguinal homolateral.
Por outro lado, a volta ao palco principal das discussões sobre a cirurgia de hérnia fez florescer uma técnica já utilizada desde 1984 nos EUA que também possibilitava uma rápida recuperação e baixa recidiva; essa técnica que foi introduzida pelo Dr. Irving Lichtenstein em Los Angeles, destacou o princípio do reparo sem tensão (Tension Free Repair), serviu de base inclusive para a própria herniorrafia videolaparoscópica pois preconiza a utilização sistemática da tela de prolene como essência do reparo, e não como reforço deste. Os resultados são muito parecidos com os da videolaparoscopia, porém a dor parece ser moderadamente maior e o tempo de afastamento das atividades físicas também é um pouco mais lento. Em contrapartida, seus custos são muito menores e é mais acessível ao cirurgião de médio padrão técnico. Diante das alternativas disponíveis hoje, no Brasil, nos parece razoável indicar para as hérnias primárias unilaterais a Técnica de Lichtenstein e para as hérnias bilaterais e as recidivadas o método laparoscópico, TAPP ou TEP. Porém, a história da cirurgia das hérnias está ainda sendo escrita.
O que se busca é uma técnica que seja fácil, segura, eficiente e barata; e que permita um rápido retorno às atividades físicas, sexuais e laborativas. Finalmente, outro fato que mostra a importância da cirurgia de hérnia nos dias de hoje é a proliferação dos Centros e Institutos especializados no tratamento da Hérnia. Seguindo este caminho, o Hospital Santo Amaro vem trabalhando há cerca de um ano na implantação do seu Centro de Hérnia que será inaugurado em agosto próximo. Como opções técnicas destacaremos as laparoscópicas Totalmente Pré-Peritonial (TEP) e Trans-Abdominal (TAPP), e a Técnica de Lichtenstein como as nossas rotinas básicas. Teremos um acompanhamento multidisciplinar com fisioterapeutas e enfermeiras especialmente treinados, além de um profissional que cuidará exclusivamente do "Follow up", entre outras novidades.
E para os que ainda acreditam que a hérnia é um "probleminha simples" que não requer "nada de mais" deixamos o parágrafo inicial do clássico discurso de Halsted entitulado "A cura da Hérnia Inguinal no Homem", proferido durante o Encontro Anual da Faculdade Médico-Cirúrgica de Mariland en Easton - Mariland em 17 de novembro de 1892 : " ... Se nenhuma outra área fosse oferecida a um Cirurgião para sua atividade a não ser a Herniotomia, ainda assim valeria a pena ter sido um Cirurgião e devotar uma vida inteira para este serviço ...". 


Nenhum comentário:

Postar um comentário