segunda-feira, 8 de março de 2010

VIDEOLAPAROSCOPIA NA GESTAÇÃO

Contribuição da Dra. Márcia Portela de Melo. Ginecologista de Porto Alegre, RS, aluna do Curso de Extensão em Cirurgia Vídeo-Laparoscópica do Hospital Parque Belém           

A laparoscopia passou a ser considerada na gestação a partir de 1990. Várias séries publicadas sugerem que a laparoscopia é possível de ser realizada com segurança durante a gestação. Contudo, os estudos envolvendo a laparoscopia na gestação constituem séries de casos ou análises retrospectivas, incluindo poucas pacientes, havendo algumas conclusões ainda questionáveis. Assim a prudência é fundamental aliada aos novos conhecimentos e aplicações da laparoscopia na gestação.
Hoje a laparoscopia é considerada um procedimento pouco invasivo e seguro para mãe e feto. Pode abreviar o período entre o diagnóstico e o tratamento definitivo, quando certas condições agudas têm seu diagnóstico dificultado pela própria gestação.
No Brasil, há documentação de algumas das aplicações sobre o tema:
·         Galbinski & cols. (1997) - Miomectomia laparoscópica durante o início do segundo trimestre da gestação;
·         Ávila & cols. (1994) - Ooforoplastia laparoscópica na gestação;
·         Tarasconi & cols.(1997) – Laparoscopia para tratamento de cisto de ovário torcido.
As indicações mais comuns da cirurgia laparoscópica na gestação são apendicectomias, colecistectomias e tratamento de massas anexiais.               

1999 – Estudo retrospectivo comparou a laparoscopia com a laparotomia, na gestação, e obteve os seguintes resultados:
·         Bom prognóstico nas pacientes submetidas a ambas as técnicas, sendo ambos os procedimentos seguros;
·         Não houve aumento estatisticamente significativo nas taxas de aborto, de malformações ou de prematuridade após a laparoscopia quando comparada à laparotomia;
·         Não houve necessidade do uso de agentes tocolíticos e/ou antibióticos profiláticos;
·         Não ocorreu aumento da morbi-mortalidade materno-fetal na laparoscopia, quando comparada à laparotomia, desde que seja realizada por cirurgião experiente e em casos selecionados.

Vantagens da Cirurgia Laparoscópica Durante a Gestação:
·         Abreviação do tempo entre a suspeita clínica, o diagnóstico definitivo e o tratamento do abdome agudo na gestação;
·         Menor tempo de hospitalização, abreviando o tempo de recuperação da paciente, com deambulação precoce e diminuição dos riscos de tromboembolismo;
·         Menor tempo cirúrgico;
·         Redução da dor pós-operatória, diminuindo a administração de medicamentos analgésicos;
·         Diminuição da depressão fetal devido ao menor uso de narcóticos no pós-operatório;
·         Menor morbidade operatória e menor risco de complicação de ferida operatória;
·         Diminuição de hipoventilação materna no pós-operatório. 
 Desvantagens da Cirurgia Laparoscópica Durante a Gestação:
·         Pouca evidência científica;
·         Necessidade de anestesia geral;
·         Risco de lesão uterina no momento da punção com agulha de Veress ou com o trocarte;
·         Efeito deletério do pneumoperitônio sobre o feto, levando a acidose fetal. A relevância clínica destes experimentos é controversa e os resultados conflitantes(estudos experimentais);                 
·         Aumento da pressão intra-abdominal com dióxido de carbono não parece trazer dano ao feto. Mas há uma limitação de dados experimentais com estudo realizado em carneiros - Batallan e cols., 1999; 
·         Intoxicação pelo monóxido de carbono, como resultado da exposição à fumaça gerada pelo cautério bipolar ou laser;                                                              
·         Falta de experiência do cirurgião.
 A anestesia geral é necessária para a maioria dos procedimentos endoscópicos cirúrgicos na gestação. Assim deve-se ter atenção com algumas das alterações fisiológicas associadas à gestação como aumento da volemia, edema das vias aéreas superiores, dilatação vascular periférica, queda PA média, aumento do volume uterino, além do medo de uso de drogas potencialmente teratogênicas. O perigo das malformações fetais com a utilização de drogas para a anestesia geral não pode ser descartado. Diante disto, aguardar, sempre que possível, o 2trimestre de gestação (final da fase embrionária). É importante que se adote o decúbito lateral esquerdo durante o procedimento.
Outro fator importante que deve ser considerado é o volume uterino que, quando aumentado, pode levar a acidentes de punção com agulha de Veress ou na introdução dos trocartes. O aumento do útero também pode restringir o espaço para  a realização dos procedimentos cirúrgicos, em especial, os associados a tumores de anexos.
Em virtude destes riscos, a introdução do trocarte periumbilical por punção aberta é mais adequada na vigência da gestação, assim como, a utilização da técnica de Hasson, do espaço supra-umbilical (6 cm) ou de outro ponto no abdome superior. Por esta razão, a laparoscopia pode ser indicada até a primeira metade da gestação ou até onde o cirurgião avaliar que haverá espaço intra-abdominal suficiente para o procedimento.
Os resultados dos estudos em relação ao pneumoperitônio têm relevância clínica controversa e resultados conflitantes. O dióxido de carbono pode aumentar a hipercapnia ou acidose materna, gerando acidose fetal. Quanto a este fato, na literatura especializada em anestesia, não existe relato o associando ao aumento da morbidade ou mortalidade fetal. Estudos em animais não associaram o dióxido de carbono e a pressão intra-abdominal elevada à acidose fetal.
Estudos comparando a laparoscopia e laparotomia durante a gestação não encontraram diferença entre os métodos em relação a baixo peso ao nascer, duração da gestação, restrição de crescimento intra-uterino, perdas fetais, sobrevida no primeiro ano de vida, malformação fetal e aumento da morbidade materna. O uso de correntes elétricas parece aumentar os riscos de perda fetal e de um parto prematuro, devendo ser utilizada com prudência pela toxicidade do monóxido de carbono liberado. Contudo, esses riscos associados à laparoscopia parecem estar mais ligados ao grau de comprometimento sistêmico materno.
A baixa incidência de procedimentos cirúrgicos não obstétricos associados à gestação faz com que a experiência do cirurgião seja também limitada. Há trabalhos que mostram que o menor tempo cirúrgico é um fator para o bom resultado obstétrico. Os autores consideram que, para melhor segurança do binômio mãe-feto, ambos devem ser monitorados antes e após o procedimento.
A principal indicação da laparoscopia durante a gestação são os casos em que o diagnóstico definitivo e o tratamento do abdome agudo podem ser retardados pela gestação, sendo um método menos invasivo, que pode acelerar o processo de cura da paciente. Dessa forma, a gestação não é uma contra-indicação formal para a cirurgia endoscópica. A maior parte dos estudos demonstra que a laparoscopia na gestação pode ser tão segura para o feto quanto a laparotomia. Para a gestante predominam as vantagens conhecidas da abordagem videolaparoscópica sobre a laparotomia.

Bibliografia
  1. Andreoli M; Servakov M; Meyers P; Mann WJ Jr: Laparoscopic surgery during pregnancy. J Am Assoc Gynecol Laparosc 1999 May; 6(2):229-33.
  2. Batallan A; Benifla JL; Panel P; Dirin S; Darai E; Madalenat P: Laparoscopic surgery during the second trimester of pregnancy: indications, technique, and fetal repercussions. Report of nine cases and review the literature. Ann Chir 1999; 53(4):285-90.
  3. Conron RW Jr; Abbruzzi K; Cochrane SO; Sarno AJ; Cochrane PJ: Laparoscopic procedures en pregnancy. Am Surg 1999 Mar; 65(3):259-63.
  4. Galbinski, S: Videomiomectomia na Gestação. RBGO 1997 Nov/Dez-suplemento;19(10):2
  5. Gurbuz AT; Peetz ME: The acute abdomen in the pregnant pacient. Is there a role for laparoscopy? Surg Endosc 1997 Feb; 11(2):98-102.
  6. Lachman E;Schienfeld A;Voss E; Gino G; Boldes R; Levine S; Borstin M; Stark M: Pregnancy and laparoscopic surgery. J Am Assoc Gynecol Laparosc 1999 Aug; 6(3):347-51.
  7. Nezhat, C; Seidman, DS; Vreman, HJ; et al.–The risk of carbon monoxide poisoning after prolonged laparoscopy surgery. Obstet Gynecol 1996; 88:771-4
  8. Reedy MB; Kallen B; Kuehl TJ: Laparoscopy during pregnancy: a study of five fetal outcome parameters with use of the Swedish Health Registry. Am J Obstet Gynecol 1997 Sep; 177(3):673-9.
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  12. Tarrasconi, J: Tratamento Videolaparoscópico de Cisto de Ovário Torcido Durante a Gestação. Revista AMRIGS, 1997

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