segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CIRURGIA SEGURA - TEMA ATUAL DE GRANDE RELEVÂNCIA

A CIRURGIA SEGURA. UMA EXIGÊNCIA DO SÉCULO XXI
EDMUNDO MACHADO FERRAZ
Consultor do Projeto “Cirurgia Segura Salva Vidas” (OMS e Universidade Harvard). Ex-Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
Rev. Col. Bras. Cir. 2009; 36(4): 281-282

  O Século XXI é considerado o século do conhecimento. Estima-se que o conhecimento adquirido nos primeiros 50 anos será maior do que o incorporado nos últimos 500 anos.
A humanidade conheceu um enorme desenvolvimento. Contudo, uma parcela considerável da população não usufrui os benefícios obtidos com esse progresso. A Cirurgia é um excelente exemplo deste contexto. Com uma história de pouco mais de 500 anos, passou por um grande progresso já nos últimos 50 anos. No ano de 2008 dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que foram realizadas 234 milhões de operações no mundo, uma para 25 pessoas vivas. Porém, 75% destas nos países desenvolvidos que contam com apenas 30% da população mundial. Morreram dois milhões de pacientes nesses procedimentos e cerca de sete milhões apresentaram complicações, sendo que 50% das mesmas foram consideradas evitáveis. Mais ainda, de cada 300 pacientes admitidos nos Hospitais morre um paciente.
Mais de 50% destes pacientes são cirúrgicos e preveníveis. Essas são cifras inadmissíveis no Século XXI, o que levou a OMS e a Universidade Harvard a iniciar uma campanha mundial (Cirurgia Segura Salva Vidas) para reduzir essas cifras vergonhosas que comprometem toda a civilização. A OMS estabeleceu uma meta até o ano de 2020 de redução das taxas de infecção do sitio cirúrgico em 25% o que implicaria em uma significativa queda da morbidade (complicações) e da mortalidade. A infecção hospitalar continua a ser um flagelo particularmente nos países em desenvolvimento. Dentre elas, a infecção urinaria é a mais freqüente, porém a infecção cirúrgica (incluindo a do sitio cirúrgico) é a que produz maior mortalidade, complicações e elevação do custo do tratamento. O impacto clinico desse fato implica em elevação da permanência hospitalar em 10 a 15 dias, aumento do risco de re-hospitalizaçao (cinco vezes) de necessidade de Terapia Intensiva (1,6%), duplica a mortalidade e tem um custo estimado nos Estados Unidos de 10 bilhões de dólares por ano.
  O século XXI tem despertado uma grande preocupação nas autoridades sanitárias pelo aumento explosivo da população de idosos (acima de 65 anos) estimada em mais de 40 milhões nos Estados Unidos até 2010 e de 20 milhões no Brasil até 2020. Isso significa um grande aumento no custo da despesa e do tratamento desses pacientes e ainda da incidência das doenças do envelhecimento tais como a diabetes tipo 2, as doenças vasculares, coronarianas, a obesidade, as doenças respiratórias e os fatores de risco dos pacientes.
Esse cenário preocupante necessita de prevenção imediata e um esforço conjunto de todos os países liderados pela OMS para inverter essa situação. Como meta prioritária para a segurança do paciente de 2006 a 2009 estabeleceu a OMS a melhoria da segurança e a prevenção do erro humano e do efeito adverso.
  Os processos de segurança tiveram um grande avanço nos últimos 30 anos. A instalação e o funcionamento das Usinas Nucleares depois dos acidentes de Three Mile Island nos USA e de Chernobyl na antiga União Soviética passaram por uma fase de grande progresso como
ocorreu com a NASA após acidentes com vários lançamento e vôos tripulados. A aviação civil também experimentou expressivo aumento da segurança apesar de retrocessos que rara e periodicamente ainda acontecem. A mortalidade é de cerca de um passageiro para mais de um milhão. Na prospecção de águas profundas em que a Petrobras tem experiência reconhecida também desenvolveu-se um processo crescente de segurança, inseparável desse tipo de atividade. Na Medicina os Hemocentros e a Anestesia foram pioneiros na cultura da segurança. Na década de 70 morria um paciente para cada 5.000 anestesias. Com a melhora da tecnologia e do conhecimento, adoção de um “checklist” anestésico, processo presente em toda cultura de segurança, passou a ocorrer no ano 2000 a mortalidade de um paciente para 250.000 anestesias, permanecendo, contudo, essa relação na África Sub-Saariana de um óbito
para 100 anestesias.
  O erro humano cometido por profissionais de saúde é extremamente elevado. Estima-se em 150.000 óbitos por ano nos USA e 80.000 por ano na Grã-Bretanha, sendo a 3ª causa de mortalidade após o câncer e as cardiopatias. Não existe estimativa desses números no Brasil.
O efeito adverso (EA) ocorre em cerca de 10% das intervenções cirúrgicas, ou seja, 23,4 milhões de caso por ano. Por efeito adverso compreendem-se descuidos com
a esterilização, utilização inadequada de antibióticos (somos campeões mundiais), queda (idosos), queimaduras, medicação trocada ou errada, equipamentos defeituosos ou ausentes, falta de leitos de terapia intensiva, de condições adequada de atendimento e falta de praticas e processos seguros. Troca de pacientes (medicação, operação), troca do lado da operação ou procedimento, técnica cirúrgica ou anestésica inadequada e falta de treinamento profissional. Existe uma interface muito tênue entre o efeito adverso e o erro. Baixos salários, condições inadequadas de trabalho, falta de manutenção de equipamentos podem levar a ambos. Da mesma maneira um profissional sobrecarregado ou estafado e a ausência de protocolos de segurança, cenário comum na maioria dos hospitais públicos brasileiros, certamente aumentam essa probabilidade particularmente aonde essa cultura não é incrementada.
Faltam, portanto protocolos adequados com registro de conformidades, efeitos adversos e registro de erros para que possamos conhecer e, sobretudo evitá-los que ocorra novamente o que se constitui em uma tarefa inadiável. O erro é caracterizado pela negligencia, imprudência e imperícia caracterizados nos códigos civil e penal não é apenas da responsabilidade do médico e sim de todos os profissionais da saúde e inclusive os Administradores
Hospitalares que podem ser indicados por negligencia e imprudência.
  A OMS elaborou um “checklist” para ser empregado em todos os procedimentos cirúrgicos, em qualquer Hospital do mundo, independente do seu grau de complexidade. O checklist abrangia apenas a operação a que o paciente seria submetido em três fases: antes de iniciar a anestesia, antes de iniciar a cirurgia e após o termino do procedimento, antes do paciente deixar a sala de operações. Foram estudados 7.688 pacientes divididos em dois grupos:
Antes da aplicação do “checklist” (3.733 pacientes) e após a aplicação do mesmo. As operações foram realizadas nas cidades de Boston, Seattle (USA), Toronto, Londres, Nova Delhi, Aukland, Aman, Manilha e Ijakara (Tanzânia). No dia 14/1/2009 a conceituada Revista “New England Journal of Medicine” colocou na Internet os primeiros resultados, sendo avaliados apenas dois parâmetros, grande complicações e mortalidade.As grandes complicações foram reduzidas de 11 para 7%, significando uma queda significativa de 36%
(p<0,001) e a mortalidade caiu de 1 para 0,8% significando uma queda de 47% (p=0,03).
No dia 15 de janeiro a noticia explodiu e foi imediatamente publicada e anunciada em praticamente todos os grandes jornais e redes de televisão no mundo inteiro, demonstrando claramente o enorme interesse despertado e uma nova exigência de segurança nos procedimentos cirúrgicos a ser cobrada como no século XXI.

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