terça-feira, 8 de junho de 2010

SEGUE A CONTROVÉRSIA SOBRE PROCEDIMENTOS POR ORIFÍCIOS NATURAIS

  Em agosto próximo teremos mais um Congresso Brasileiro de Videocirurgia desta vez na cidade de Salvador, BA. Um dos cursos pré-congressos envolve as novas tecnologias: NOTES, Single-Port, Minilaparoscopia. Abaixo coloco artigo de opinião do Dr. Mário Victor Nogueira, cirurgião carioca, previamente publicado no informativo da SOBRACIL-RS. Apesar de ter sido escrito há alguns anos, o artigo feito como contra-ponto ao boom dos procedimentos por orifícios naturais, então muito debatidos e muito pouco realizados, persiste relevante. Os procedimentos NOTES não evoluiriam como (não) se esperava mesmo, muito em função da falta de soluções tecnológicas, aliadas aos complexos preceitos éticos envolvidos e o aparecimento (ou reaparecimento) de outras técnicas como o LESS Surgery e a Minilaparoscopia.
Divirtam-se!

NOSCAR?


         A idéia de passar pela vida sem cicatrizes é uma tolice em si mesmo, já que somos mantidos intra-útero pelo cordão umbilical que após cair, em torno de nossa primeira semana, nos deixa  indelevelmente marcados, por uma CICATRIZ UMBILICAL.
         Eva não tinha essa cicatriz e foi sedutora o suficiente para nos retirar do paraíso. Entretanto, Adão possuía uma cicatriz torácica, e não foi abandonado por Eva. Ao contrário, foi atraente o suficiente para ser seduzido por ela (tudo bem, ela não tinha opção).
         Por outro lado, houve e sempre haverá, uma evolução de hábitos e costumes, com mudança na valorização das coisas e fatos. “Um guerreiro exibe suas cicatrizes” diz o antigo provérbio. Hoje em dia um guerreiro talvez seja um “hacker” praticando guerras virtuais, sem cicatrizes visíveis.
No passado as pessoas, se escondiam sob metros e metros de pano. Com a evolução dos costumes, alguns hoje se exibem sob poucos centímetros de pano, ou pano algum. Nesse caso, uma cicatriz cutânea talvez tenha alguma importância.
         As principais cicatrizes que alguém pode exibir, não ficam em qualquer segmento de sua cobertura cutânea e sim em áreas de acesso absolutamente impossível aos outros, na alma, nos sentimentos, no coração, em situações imateriais, e no colédoco, no miocárdio, no encéfalo, na parede das artérias, e outros órgãos, em pessoas que tem uma vida vivida.
         O principio de preservação da parede, em casos de cirurgia abdominal, é nosso conhecido desde a criação do conceito de cirurgia de invasão mínima, que teve uma aceitação imediata e de crescimento estupendo, devido ao fato de realizarem-se as mesmas operações, sem mudarem-se conceitos de segurança e princípios da ciência cirúrgica, além de proporcionar melhor iluminação, melhor visibilidade, magnificação das estruturas e menor índice de complicações relativas ao acesso, ou seja, complicações da parede abdominal.
         Ora, e o resultado estético?
Em determinado momento não é o mais importante, embora de relevância individual, pois quem procura um cirurgião para tratar uma patologia e se preocupa como será o resultado estético de sua operação, deve ser informado pelo profissional da gravidade de sua doença, dos riscos inerentes ao ato cirúrgico, de seus resultados, e das possibilidades de não ser operado e aguardar a evolução de sua condição, nos casos em que é possível fazê-lo. Tais como, colelitíases sem colecistite, hérnias cujo sintoma é apenas um pequeno volume na virilha ou na região da cicatriz umbilical, DRGE em que o paciente pode preferir gastar seu dinheiro em remédios e endoscopias de repetição, cistos do ovário de aspecto benigno, sem crescimento continuado, entre outras. Todas essas, patologias de tratamento cirúrgico definitivo passível de postergação.
Em outras palavras: - O(a) sr(a). quer tratar sua doença ou uma complicação da mesma?
         Nos casos de Natural Orifice Translumenal Endoscopic Surgery – NOTES -, motivo da criação do Natural Orifices Surgery Consortium for Acessessment and Research – NOSCAR -, a parede abdominal/torácica não é violada e é deixada sem cicatrizes.
Entretanto, a ciência cirúrgica é violada em vários de seus princípios basilares, tais como a esterilização da cavidade peritoneal/torácica, a boa iluminação do campo operatório, a boa visualização das estruturas a serem operadas e de sua vizinhança, a fim de evitar-se lesões iatrogênicas. É violada no controle do campo cirúrgico e da hemostasia.
Na verdade, a cirurgia trans-endoscópica sequer é novidade. É só vermos as polipectomias, as papilotomias, as ressecções de pequenos tumores, as colocações de prótese, as dilatações, realizadas sem necessidade de abrirmos a cavidade abdominal dos pacientes, como no passado.
         As cicatrizes sempre foram uma preocupação dos cirurgiões, pois na verdade representam a cobertura do que foi feito em seus pacientes. Em meu meio, havia um antigo aforismo que dizia:
          -“Grandes cirurgiões, grandes cicatrizes”. Plenamente justificável, em tempos passados, tendo em vista a qualidade da iluminação e do relaxamento dos doentes, para citar duas dificuldades apenas. Além do que, “grandes cirurgiões”, são os que operam os casos mais difíceis e os doentes mais difíceis, portanto necessitavam de campos cirúrgicos espaçosos. Mais ainda, “grandes cirurgiões”, eram, e são, aqueles que ensinavam, e ensinam, cirurgia. Para ensinar, há que mostrar como fazer. Ontem com grandes incisões, hoje com micro câmeras.
         Mesmo os profissionais mais preocupados com a estética, os cirurgiões plásticos, vivem a causar cicatrizes em seus pacientes e a cuidar delas.
         Natural Orifice Translumenal Endoscopic Surgery, é sem dúvida uma evolução, mas a questão é que nem toda a evolução é útil. Será essa, uma tecnologia útil?
         Várias perguntas se seguem a essa, como por exemplo:
-Essa evolução foi provocada pela curiosidade médica ou por necessidade da indústria de vender novas tecnologias? Vide as pinças e óticas de 3mm (minilaparoscopia) e a cirurgia robótica, encalhadas, ou pelo menos, muito pouco utilizadas.
         -A ausência de cicatrizes de 5mm, 10mm, 12mm, faz realmente essa diferença toda, comparada com a segurança do paciente no nosso ato cirúrgico?
         -Qual o treinamento adequado? Quem poderá realizar essas operações? O cirurgião médio poderá? O endoscopista médio poderá?
-Faz sentido violar o colon de um homem ou a vagina de uma mulher para retirar-lhe a vesícula?
-Valerá a pena provocar uma ferida numa parede gástrica limpa e por ela passar um apêndice contaminado por fezes, após passeio pelo peritônio?
-Os resultados médicos são melhores que os da laparotomia ou da laparoscopia? Ou seja, há melhoria nos resultados finais utilizando-se essa via de acesso?
-A principal vantagem do método é do cirurgião, limitando o mercado, ou do paciente?
Essas e outras perguntas carecem de resposta científica adequada e, portanto, desapaixonada.
Causa muita preocupação, quando se sabe que em países do primeiro mundo, (EEUU, Inglaterra, por ex.) não há relatos de utilização dessa técnica em seres humanos, somente em países de cultura médica caudatária e legislação profissional frágil, como o Brasil, Chile e Índia é que se vêem  seres humanos serem submetidos a esse tipo de experiência em anima nobile, inclusive como demonstração em congressos.
Esse é o tipo de pioneirismo que não me orgulha, ao contrário, me envergonha. Causa-me uma cicatriz no orgulho.
Melhor uma na barriga.
Em suma, a vida sem cicatrizes é uma impossibilidade.

                         
                            Mario Victor de Faria Nogueira, TCBC, FACS, ASMBS, SBCBM, SAGES, ALACE, Fundador da SOBRACIL e da SOCIVERJ (atual Sobracil-RJ)

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