quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

EM BUSCA DA COLECISTECTOMIA INVISÍVEL
Dr. Miguel P. Nácul
Membro Titular da SOBRACIL-RS, atual Secretário Geral Adjunto da SOBRACIL
A apendicectomia trans-gástrica dos Drs. Reddy e Rao de Hyderabad na Índia gerou uma grande excitação na comunidade cirúrgica que vislumbrou neste procedimento a possibilidade de novos acessos e formas de realizar cirurgias por técnicas minimamente invasivas. Estabelecido e disseminado o conceito de N.O.T.E.S. (natural orificial trans-endoscopic surgery), inúmeras formas de acesso à cavidade abdominal têm sido propostas além da trans-gástricas, incluindo a via vaginal, colônica, esofágica e até vesical.
Ao contrário do proposto por centros pioneiros no método como o da Casey-Western de Cleveland nos Estados Unidos, a colecistectomia está sendo o procedimento de foco para maior parte dos grupos de pesquisa e desenvolvimento em NOTES, em especial no Brasil. Em busca de um “killer procedure”, ou seja, um procedimento que em função de sua importância e prevalência, determinaria uma grande demanda e disseminação do procedimento com impacto econômico enorme. A importante quebra de paradigmas cirúrgicos e as complexas questões éticas envolvidas fizeram boa parte destes grupos em optar pela via vaginal. Acesso utilizado já há muitas décadas em cirurgias ginecológicas abertas e laparoscópicas, a via vaginal pode ser acessada com o uso de óticas flexíveis ou rígidas, normalmente de forma híbrida com o auxílio de punções abdominais. Ainda controversa, a via vaginal tem sido a mais utilizada para realização de procedimentos NOTES em séries humanas.
Capitaneado no Brasil pelo trabalho do Dr. Gustavo Carvalho de Pernambuco, a mini-laparoscopia voltou a pauta associada ao desenvolvimento por empresas nacionais (EDLO e BHIO-SUPPLY) de material de 2 e 3 mm. A técnica de mini-colecistectomia descrita pelo Dr. Gustavo Carvalho e publicada na Revista Brasileira de Videocirurgia de março 2007 propõem uma técnica de custo menor já que não utiliza óticas de 2 ou 3 mm,  de alto custo e baixa durabilidade.
Ao mesmo tempo, surge com força a cirurgia por portal único pela cicatriz umbilical (single-port) realizada com o uso de sistemas que permitem a colocação de instrumentos diversos pela cicatriz umbilical, adaptados ou não, com o uso de óticas rígidas ou flexíveis. Mais uma vez o foco desta nova forma de operar é a colecistectomia, mas com boa projeção também na urologia.
Todos estes procedimentos alternativos à colecistectomia videolaparoscópica convencional demonstram melhor resultado estético, mas efetivamente não trazem vantagens significativas em termos de dor pós-operatória ou retorno a atividade laboral, nem na diminuição da resposta imunológica. Todos estes novos procedimentos acabam, em maior ou menor grau, quebrando princípios técnicos bem estabelecidos pela colecistectomia convencional (exposição adequada do trígono de Callot, tração lateral do infundíbulo vesicular, usa de eletrocirurgia perto do pedículo biliar, adequada selagem de ducto e artéria cística, entre outros). Os procedimentos por N.O.T.E.S. também geram algum grau de contaminação da cavidade peritoneal pelo acesso através de um orifício natural, mais significativo quando feito pelo cólon ou estômago, além de causar uma cicatriz interna visceral a qual é fechada por técnicas ainda não bem comprovadas com risco de deiscência potencialmente catastrófica.
Neste sentido, a mini-laparoscopia é de todas estas propostas a que mais se assemelha à técnica laparoscópica consagrada com custo menor, mais acessível do ponto de vista de treinamento e com conceitos mais bem estabelecidos. No início de mais um século, move-se a roda da história pela curiosidade e engenhosidade de médicos pioneiros que serão julgados, cultuados ou criticados no futuro, mas que, sem dúvida, já fazem parte da história da medicina. Com o consentimento dos pacientes e sempre em busca de um procedimento cirúrgico menos doloroso, de mais rápida recuperação, com melhor resultado estético, todos estão atrás da colecistectomia invisível. Como sempre na história da cirurgia, a solução virá pela via tecnológica associada à pesquisa médica. O estabelecimento destes novos procedimentos dependerá muito da ultrapassagem desta fase inicial de desenvolvimento. Com o mínimo de experimentação humana e com respeito a preceitos éticos, os pioneiros buscam um novo patamar não só para a colecistectomia, mas também para toda a cirurgia.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
The “invisible cholecystectomy”: A transumbilical laparoscopic operation without a scar. 
Cuesta, Migue1; Berends, Frits; Veenhof, Alexander. 

Surgical Endoscopy, Volume 22, Number 5, May 2008, pp. 1211-213(3).

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