quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Aspectos Atuais do Ensino da Videocirurgia no Brasil - Uma Análise Crítica
Modern Aspects About Education in Endoscopic Surgery in Brazil - A Critique Analysis
Miguel P. Nácul
Passados mais de 13 anos do seu advento, as questões que envolvem o ensino da videocirurgia retornam com força ao debate no Brasil A videocirurgia alcançou uma projeção tão importante no contexto da maior parte das especialidades cirúrgicas que o domínio do método tornou-se fundamental para o cirurgião, inclusive para procedimentos de maior complexidade. Hoje no país, existe uma procura crescente por cursos e estágios em videocirurgia por parte de cirurgiões de diferentes especialidades.
Em 1990, quando a primeira colecistectomia por videolaparoscopia foi realizada no país pelo Dr. Thomas Szego em São Paulo, os cirurgiões nacionais buscavam sua educação em estágios de observação ou cursos intensivos no exterior. No início da década de 90, devido ao desenvolvimento de alguns Serviços no país, os estágios de observação puderam também ser feitos no Brasil, porém de forma assistemática e não organizada. Estruturaram-se nesta época os primeiros cursos intensivos no Brasil, também eventuais. Ao longo da década de 90, alguns cursos intensivos continuados foram estabelecidos, todos focados em videolaparoscopia. A introdução tímida da videocirurgia nos Programas de Residência Médica se iniciou nesta época.
Já no final da década de 90, a evolução da videocirurgia era acompanhada pelo desenvolvimento de diversas experiências de ensino no Brasil com a organização de cursos intensivos e extensivos. O conceito de Programa de Residência Médica específico em videocirurgia cedeu espaço ao definitivo estabelecimento do método nos Programas de Residência Médica.
Quando iniciamos um novo século, os cursos intensivos, extensivos e os Programas de Residência Médica compõem o espectro de ensino da videocirurgia no Brasil, direcionados basicamente para a Cirurgia Geral, a Cirurgia do Aparelho Digestivo e a Ginecologia. O ensino da Videocirurgia em outras áreas como a Urologia, Neurocirurgia, Cirurgia Plástica, Cirurgia Pediátrica e Cirurgia Torácica encontra-se em ampla evolução. No entanto, são escassos os projetos de ensino da videocirurgia nestas especialidades, assim como em nível de graduação.
Os cursos intensivos perfazem a grande maioria dos projetos de ensino existentes hoje no país, alguns com anos de atividade. São centrados em treinamento prático em simuladores e animais. Têm curta duração e capacidade relativamente grande de alunos. Os custos direto e indireto são altos, porém normalmente contam com amplo apoio das empresas da área médica. No entanto, não habilitam a iniciar com segurança a realização de videocirurgias e não conseguem orientar a estruturação e organização de um Serviço. Os cursos intensivos são eficientes como informação inicial e para quem retorna para um Serviço, estruturado e funcionante, que possibilite uma assistência tutorial evolutiva. Os cursos intensivos tendem a ser mais eficientes para aprendizado de técnicas específicas e/ou avançadas.
Muito poucos são os cursos extensivos no país. Possuem periodicidade, metodologia de ensino e qualidade variáveis. São centrados no treinamento prático tutorial em campo cirúrgico, com duração variável, porém longa. O número de vagas tende a ser pequeno. Os custos direto e indireto são também altos, principalmente porque necessita estrutura permanente. São cursos de difícil viabilização, pois têm organização complexa. No entanto, habilitam a iniciar com segurança a realização de procedimentos, acompanhando e orientando a estruturação e organização de um Serviço, conferindo vivência em videocirurgia.
A Residência Médica surge como a forma ideal e natural para o ensino da Videocirurgia. Principal formador de médicos cirurgiões, os programas de Residência Médica nas diversas especialidades cirúrgicas têm falhado em oferecer uma formação sólida em videocirurgia, quando oferecem. Este fato decorre da preceptoria e volume cirúrgicos ainda deficientes em boa parte dos Serviços.
Em verdade, os diversos cursos hoje existentes, ligados ou não a instituições de ensino público ou privados, não têm capacidade de absorver todo o contingente de interessados em fazer formação em videocirurgia. Além disso, na maioria das vezes, oferecem apenas uma atividade de introdução ao método o que não habilita o cirurgião a iniciar com segurança a realização de procedimentos cirúrgicos. A Residência Médica não é uma opção viável para a maior parte dos cirurgiões que querem fazer formação em Videocirurgia.
Diversos fatores contribuem para que exista um déficit educacional importante em Videocirurgia no Brasil:
1- A surpreendente desinformação sobre o método mesmo por médicos especialistas;
2- O contexto profissional de deteriorização sócio-econômica e social do médico, desestimulado a investir em atualização;
3- O alto custo dos equipamentos, muitas vezes bancado pelo próprio médico, em uma medicina de convênios ou de atendimentos pelo SUS os quais não remuneram o suficiente para viabilizar grandes investimentos;
4- A falta de "know-how" organizacional e estrutural acerca do método, o que dificulta muito a iniciação e a evolução profissional;
5- A auto-suficiência e conservadorismo dos cirurgiões com manutenção de velhos "dogmas cirúrgicos";
6- A deficiência qualitativa e quantitativa de Cursos e dos Programas de Residência Médica;
7- Aspectos técnicos específicos do aprendizado que determinam dificuldades educacionais de complexa resolução;
8- Excesso de posicionamento crítico das Universidades que literalmente perderam o trem da história e agora tentam retomá-lo;
9- Desconexão do processo evolutivo do método entre as especialidades cirúrgicas que repetem as dificuldades já vencidas pelas outras;
10- Falta do desenvolvimento de "escolas cirúrgicas" direcionadas a videocirurgia;
Estimulado pela evolução técnica e tecnológica da videocirurgia, pressionado pelas empresas interessadas em vender seus cada vez mais complexos, avançados e caros equipamentos, por hospitais que buscam profissionais que realizem procedimentos de ponta tecnológica, pelos convênios e seguradoras de saúde interessadas em diminuir os custos hospitalares, por empresas que querem os seus empregados de volta ao serviço com brevidade, pelos pacientes que necessitam retornar com brevidade a suas atividades normais, preocupados com o fator estético e com um pós-operatório mais suave, eis o cirurgião frente a uma verdadeira encruzilhada profissional. Como fazer uma formação que habilite a realização de videocirurgias com segurança? Como conciliar a continuidade da vida profissional com uma formação sólida no método?
Na minha opinião, a formação do cirurgião em Videocirurgia deve ser feita por etapas, de forma gradativa e progressiva na complexidade dos procedimentos, sob supervisão e preceptoria de profissional habilitado, dentro de um Serviço com volume cirúrgico significativo no método, e com tempo de treinamento suficiente, sendo assim prolongado. Em suma, a formação do cirurgião no método deve ser semelhante à formação de um cirurgião em cirurgia convencional, isto é, em um sistema de treinamento em serviço nos moldes de uma Residência Médica.
O processo de aprendizado e treinamento do cirurgião em Programas de Residência Médica, embasado na atividade tutorial, de caráter eminentemente prático e prolongado já comprovou sua eficiência. Consideramos que talvez a grande falha no processo pedagógico que envolve o ensino da videocirurgia no país atualmente seja a aplicação de uma metodologia de ensino centrada no desenvolvimento de habilidades motoras no mais curto período de tempo para que o cirurgião possa retornar rapidamente a sua atividade profissional. Esta metodologia de ensino é baseada em conceitos pedagógicos equivocados e é representada especialmente pelos cursos intensivos. Ela falha em conferir ao cirurgião o conhecimento e domínio de um ambiente cirúrgico diferente e tecnologicamente complexo o que é tão importante quanto o domínio da técnica operatória. Além disso, não confere vivência cirúrgica suficiente para habilitar o cirurgião a iniciar a sua atividade cirúrgica com segurança. O resultado é a existência de cirurgiões que chamamos "procedimentos específicos", ou seja, capazes de realizarem apenas um tipo de procedimento. Esta capacidade limitada muitas vezes leva ao tratamento parcial das patologias, pois este tipo de cirurgião faz o procedimento que consegue fazer e não aquele que deve ser feito. Limitado tecnicamente e pouco adaptado ao ambiente videocirúrgico, o cirurgião apresenta dificuldade de enfrentar situações complexas por videocirurgia o que se expressa por curvas de aprendizado muito longas e índices de conversão acima do aceitável. Todos estes fatos trazem prejuízo aos pacientes, aos cirurgiões e ao conceito do método perante a comunidade científica e à população em geral. A realidade atual é de déficit importante de formação, em especial em algumas especialidades como a Ginecologia, e uma evolução lenta da Videocirurgia no Brasil.
A questão central é como determinar um eficiente e abrangente processo evolutivo da videocirurgia no nosso meio com o objetivo final de disseminar o conhecimento sobre o método, mantendo o melhor padrão de qualidade cirúrgica, possibilitando um treinamento efetivo e uma atividade profissional melhor estruturada, atualizada e segura.
A utilização de um processo pedagógico mais eficiente e alinhado a filosofia contemporânea, que rege a utilização da videocirurgia no contexto das especialidades cirúrgicas, se expressa altamente necessária. Necessitamos de mais centros de treinamento, melhor aparelhados tanto do ponto de vista humano como tecnológico, de caráter permanente, com projetos de ensino de duração mais prolongada, maior ênfase em orientação organizacional e apoio tutorial.
O desenvolvimento de "escolas formadoras de videocirurgiões" deve ser incentivado. Nos próximos anos, a realidade virtual e o ensino a distância pela tele-medicina devem ser incorporados ao ensino da videocirurgia. A evolução da Videocirurgia está diretamente relacionada a um investimento vigoroso em ensino, treinamento e qualificação, o qual deve iniciar já na graduação médica.

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