segunda-feira, 12 de abril de 2010

CIRURGIA POR ACESSO ÚNICO - "LESS SURGERY"

  Principal cirurgião gaúcho no desenvolvimento da cirurgia por acesso único, o Dr. Leandro Cavazzola, Professor do Curso de Pós Graduação em Cirurgia  Minimamente Invasiva do Hospital Moinhos de Vento contribui para o nosso blog com um artigo sobre o tema.

Laparoendoscopic Single Site Surgery no 3º Mundo – É possível?

Leandro Totti Cavazzola, Guilherme Behrend Silva Ribeiro, André Kives Berger, Bernardo Silveira Volkweis, Karin Sumino e Paulo Sandler

  • Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia Geral, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil

Tem havido muito interesse no desenvolvimento de técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, especialmente no Natural Orifice Translumenal Endoscopic Surgery (NOTES). Os benefícios estão associados a potencial eliminação das complicações associadas à cirurgia convencional (cicatrizes abdominais, dor pós-operatória em parede abdominal, infecção de ferida operatória, hérnia incisional e evisceração). Entretanto, poucos estudos clínicos foram publicados até o momento e a maioria deles não são de NOTES “puro”, mas procedimentos híbridos (NOTES com auxílio de instrumentos laparoscópicos). Essas constatações provavelmente traduzem o espectro de barreiras que limitam a aplicação clínica, que incluem: indefinição quanto ao sítio ideal de acesso à cavidade peritoneal e quanto ao método mais adequado para fechamento da abertura gástrica ou intestinal, dispositivos de sutura em desenvolvimento, contaminação da cavidade peritoneal e inadequada tração dos tecidos durante a dissecção, triangulação do instrumental, controle de sangramento intraperitoneal ou complicações iatrogênicas e orientação espacial e necessidade de treinamento específico em endoscopia.
            Considerando as limitações do NOTES, técnicas cirúrgicas alternativas estão sendo desenvolvidas, e atenção especial tem sido dada à Laparoendoscopic Single Site Surgery (LESS). As promessas dessa técnica são melhores resultados cosméticos (porque todos trocateres são colocados em uma única incisão cutânea realizada em um orifício natural) e a possibilidade do uso de instrumentos laparoscópicos amplamente disponíveis.
            A cirurgia de acesso único (single-site) diferencia-se da cirurgia com pórtico único (single-port) porque a primeira prescinde do dispositivo single-port através da realização de múltiplas incisões na aponeurose, cada uma permitindo a colocação de um trocater, com uma conformação que permite adequada triangulação.
            Neste relato nós descrevemos a técnica da colecistectomia por LESS realizada em uma paciente de 72 anos, magra, com clínica e ecografia sugestivas de colecistite crônica.
            Nós realizamos uma incisão curvilinear única na prega umbilical inferior. Subsequentemente, procedemos à dissecção do subcutâneo e desinserção do umbigo. Essa manobra aumenta a área disponível de aponeurose para colocação dos trocateres, permitindo, portanto, melhor triangulação.
            O posicionamento foi semelhante à colecistectomia videolaparoscópica tradicional.
            O pneumoperitônio foi estabelecido com a agulha de Veress. Então, realizamos 4 incisões na aponeurose (Fig. anexa), permitindo a colocação de 2 trocateres de de 5mm, um de 10mm e uma pinça de preensão rígida de 3,8mm (ou seja, uma pinça de 5mm sem trocater). É importante que sejam realizadas incisões aponeuróticas discretamente menores que o diâmetro dos trocateres para evitar vazamento de CO2. Na verdade, nós tivemos esse problema e, para resolvê-lo, inserimos outra agulha de Verres no quadrante superior direito.
No trocater de 10mm foi colocada a câmera (inicialmente usamos um trocater de 5mm e câmera apropriada, porém a imagem era muito ruim, de forma que decidimos por trocar pela câmera de 10mm). No trocater de 5mm à direita utilizamos a Maryland, gancho,  tesoura reta e o clipador de 5mm, ou seja, instrumentos essenciais para dissecar, cortar e ligar estruturas críticas do triângulo de Calot e para liberar a vesícula do leito hepático. No trocater de 5mm à esquerda colocamos a pinça de preensão para tração do infundíbulo. A pinça de preensão de 3,8mm foi incialmente usada para tração do fundo da vesícula. No final do procedimento, usamos a agulha de Verres do quadrante superior direito para exercer esta função. A vesícula foi colocada em uma saco de látex e removida através da incisão de 10mm. A incisão foi sutura por planos.
            Tempo operatório de 160 min. Não houve complicações transoperatórias. A paciente teve boa recuperação pós-operatória e alta em 24 horas. Não houve complicações pós-operatórias até o 15º PO. Anatomopatológico confirmou colelitíase e colecistite crônica.
            O campo da cirurgia minimamente invasiva amadureceu, mas continua em desenvolvimento, tentando ser ainda menos invasivo, o que poderia levar a um menor estresse fisiológico, recuperação mais rápida e melhores resultados estéticos. Considerando as limitações do NOTES para aplicação clínica, nós focamos no LESS (single-access, não single-port – TriPort ou QuadPort -, que atualmente são marcas registradas da Advanced Surgical Concepts) porque a tecnologia já está disponível e a anatomia é absolutamente familiar ao cirurgião laparoscópico, características que poderiam facilitar a disseminação do seu uso e aceitação. Na verdade, a única diferença é a posição dos trocateres, o que reflete na maior dificuldade dessa técnica: as colisões intra e extra-abdominais dos instrumentais devido a triangulação reduzida.
            Recentemente existem algumas (ainda que escassas) publicações de LESS aplicada em humanos, incluindo colecistectomia, apendicectomia e nefrectomia. Todos esses trabalhos parecem concordar que a técnica é possível, pode ser executada com instrumentos que são amplamente disponíveis e provavelmente tem uma curva de aprendizado inferior ao NOTES.

Leitura sugerida:

1.       Wagh MS, Thompson CC. Surgery insight: natural orifice transluminal endoscopic surgery – an analysis of work to date. Nat Clin Pract Gastroenterol Hepatol 2007;4:386-92.
2.       Baron TH. Natural orifice transluminal endoscopic surgery. Br J Surg 2007;94:1-2.
3.       Malik A, Mellinger JD, Hazey JW, et al. Endoluminal and transluminal surgery: current status and future possibilities. Surg Endosc  2006;20:1179-92.
4.       Bergman S, Melvin WS. Natural orifice translumenal endoscopic surgery. Surg Clin North Am 2008;88:1131-48.
5.       Nguyen NT, Reavis KM, Hinojosa MW, et al. Laparoscopic Transumbilical Cholecystectomy Without Visible Abdominal Scars. J Gastrointest Surg 2008 Aug 15. [Epub ahead of print]
6.       Zorron R. Human work to date, an international perspective [oral presentation]. In: Update on NOTES. The SAGES Annual Meeting, April 10, 2008.
7.       Cuesta MA, Berends F and Veenhof AA. The "invisible cholecystectomy": A transumbilical laparoscopic operation without a scar. Surg Endosc 2008;22:1211–3.
8.       Branco AW, Filho AJB, Noda RW, et al. New Minimally Invasive Surgical Approaches: Transvaginal and Transumbilical. Braz J Videoendosc Surg 2008;1:29-36.
9.       Zhu JF, Hu H, Ma YZ, et al. Transumbilical endoscopic surgery: a preliminary clinical report. Surg Endosc; published online: 23 July 2008. DOI 10.1007/s00464-008-0086-7.

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