As hernioplastias endoscópicas no Brasil não alcançaram a mesma popularização da colecistectomia ou da cirurgia do refluxo. Mesmo após mais de 10 anos de sua
introdução em nosso meio, as questões básicas que ainda não conseguimos responder, impedem o desenvolvimento da técnica. Infelizmente, não passamos da chamada fase
de difusão limitada, ou seja, do período na história natural de um tratamento médico, quando ele é realizado apenas por especialistas. Poucos são os cirurgiões no Brasil que operam rotineiramente seus pacientes com hérnias inguinais, por métodos laparoscópicos.
Já se passou muito tempo, e uma reflexão mais corajosa e aprofundada sobre o tema merecia ser elaborada. Não existe consenso sobre quais os pacientes são realmente os melhores candidatos a hernioplastias laparoscópicas. Existem sim recomendações muito discutíveis de que estas cirurgias deveriam ser relegadas apenas aos casos bilaterais ou recidivados. Em se tratando de técnica de difícil e longa curva de aprendizado, essas recomendações não deixam de ser incongruentes. Só vai adquirir suficiente experiência para situações mais com-
plexas como as hérnias recidivadas,,aquele que aplicá-la no dia a dia das hérnias simples.
Não se encontram recomendações claras nas sociedades relacionadas ao reparo das hérnias. Nas sociedades médicas não, mas em uma base de dados do governo americano em parceria com associação de planos de saúde(www.guideline.gov), chamada NGC, hernioplastias laparoscópicas são consideradas viáveis e eficientes, desde que economizando no material descartável. A única, entre as sociedades pesquisadas, que estab-
elece algum parâmetro de consenso é a EAES (European Association for Endoscopic Surgery), inicialmente em 1994, com atualização em 2000. Neste consenso determinou-se o quanto à técnica evoluiu em termos de resultados, custos e generalização. Além da dificuldade em se estabelecer a melhor indicação, outras questões orbitam o mundo complicado das
hérnias laparoscópicas. Dentre elas o custo parece desempenhar um papel central. Vamos analisá-lo dividindo-o em categorias: custo de matérias descartáveis; custo hospitalar; custo do aprendizado da técnica e custo social. O ponto crucial é, sem dúvidas, o custo de materiais. Se formos utilizar trocateres descartáveis na obtenção e manutenção do espaço extra-peritoneal e de grampeadores para fixação da tela, então o custo médio do
material será de 3.500,00, sem contar com a tela. O acesso extra-peritoneal pode ser obtido através de soluções simples e criativas, como, por exemplo, a punção suprapúbica com agulha de Verres. Este método foi originalmente descrito por Nicodemo e permite insuflação ráp-
ida e segura do espaço, economizando assim cerca de 1.200,00 com trocateres especiais.
Após a insuflação do espaço, é possível penetrá-lo, analogamente ao que se faz no pneumoperitônio, com uma primeira punção de trocarte às cegas, dirigida ao
espaço de Retzius. Para isto, como a incisão é do tamanho do trocarte, não é necessário trocarte de Hasson. Em respeito a fixação ou não das telas , trata-se de uma questão em aberto. Vários grupos, inclusive com grande experiência, tem evitado a fixação, com resultados semelhantes aos que fixam. A seu favor temos algumas evidências físicas como a lei da força de atrito (FA = m X n), onde FA é a força de atrito, m é o coeficiente de atri-
to, determinado para cada situação e n é o peso do objeto. No caso das telas, o peso é insignificante, porém temos a tela repousando sobre duas superfícies de atrito o
que dificulta ainda mais seu deslocamento. Segunda esta lei, a tela tem mais dificuldades de se deslocar do que possa parecer. Aliada a isto, a própria dinâmica abdominal, com o paciente em movimento, tende a empurrar a tela contra a parede muscular. Se esta estiver bem posicionada, com abrangência ao redor do defeito maior ou igual ao seu diâmetro, as condições físicas impedem seu deslocamento. Além disto, não fixar a tela significa correr
risco menor de inguinodínia. Para as hérnias inguinais diretas de grande volume, porém a fixação parece mais prudente. Se as telas forem acomodadas, sem serem fixadas, pelo menos o custo com materiais descartáveis teria uma importante queda, com um desconto de 2.300,00. Permaneceria então, nesta categoria de custos , o uso das telas. Seu valor não é expressivo, visto que uma prótese de boa qualidade pode ser obtida por cerca de 300,00.
Em relação ao custo hospitalar, o que faz a hernioplastia laparoscópica mais cara , é a necessidade de anestesia geral. Mas a anestesia geral representa apenas um dos custos hospitalares. Outros fatores como o uso de analgésicos também onera este processo. Uma pesquisa realizada em hospital privado, em Curitiba, nos mostrou que os gastos hospitalares com hernioplastias laparoscópicas, quando comparados com hernioplastias abertas com
uso de tela, são em média, superiores em apenas 200,00. Se computarmos os honorários anestésicos, que são mais caros para uma anestesia geral e a taxa para utilização de equipamento de videolaparoscopia, então, podemos chegar a um resultado surpreendente. A TEP custa, em termos hospitalares e sem contar o material descartável, apenas R$500,00 mais cara que uma cirurgia de Lichtenstein. Estes cálculos encontram suporte também
na literatura anglo-saxônica. P. Farinas encontrou uma diferença de apenas U$ 51,00 entre TEP e Linchtenstein, nos gastos hospitalares, quando a primeira não se utilizava materiais descartáveis. Para falarmos de custos sociais, os dados são também muito interessantes. Um trabalhador brasileiro que ganha dois salários mínimos mensais, e que, portanto poderia pagar
algum tipo de assistência médica suplementar, quando fica impossibilitado de trabalhar por motivos médicos, gera uma despesa social quinzenal. Esta pode ser resumida em :
Salário 15 dias: R$ 350,00
FGTS: R$ 28,00
Contrato Social FGTS: R$ 1,75
INSS - Patronal: R$ 70,00
INSS - Terceiros: R$ 20,30
INSS - Sat: R$ 3,50
PIS: R$ 3,50
Provisão 13º salário: R$ 39,75
Provisão 1/3 Férias: R$ 13,25
CUSTO TOTAL = R$ 530,05
Assim, a cada módulo de duas semanas, temos um custo social de cerca de R$500, 00, ou seja, a mesma diferença de custos entre a cirurgia TEP e Lichtenstein. Considerando que os pacientes submetidos a laparoscopia conseguem retornar às suas atividades mais precocemente, então, poderíamos ter , enfim um equilíbrio custo benefício.
Para nós, cirurgiões, no entanto, deveremos também computar os gastos de aprendizado com as novas técnicas minimamente invasivas. Estes gastos são de cálculo ainda mais heterogêneo do que os acima apresentados. A curva de aprendizado do TEP é longa e custosa. Tanto mais, quanto menor o acesso do cirurgião a um tutor mais experiente. Pensando no benefício ao paciente, pode até valer a pena o sacrifício, porém, se for para obter os mesmos honorários pagos às técnicas abertas sem tensão, onde o aprendizado é muito mais simples, então precisamos refletir. Assim, mesmo diminuindo ao máximo o custo da
hernioplastia laparoscópica, mesmo propiciando economia à sociedade com a diminuição do tempo de afastamento do trabalho, só vamos operar mais TEP, quando valer a pena o esforço de aprendê-la.
Dr. Marcelo de Paula Loureiro -
Coordenador Pós-graduação em Cirurgia
Minimamente Invasiva da Universidade positivo - Curitiba, PR
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